segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Um dia desses...

O que eu mais quero nessa vida é dar as costas a tudo,
E andar à beira de uma estrada
Com sua mão segurando forte a minha;
Quero que tiremos os sapatos
E que pisemos confiantes a terra
E quando sentirmos o sol afagando nossas costas nuas
E a felicidade inexplicável que aquilo nos trará
Sorriremos com a certeza de um destino melhor

Conversaremos sobre tudo
Conversaremos sobre nada
Ficaremos em silêncio e nos olharemos
Sem precisar conversar
Sem precisar falar
Por que nós saberemos de tudo
Por que nosso olhar vai dizer tudo
Por que nossa risada vai dizer tudo

O vento vai soprar e seus cabelos vão voar,
Sua coroa de lírios vai cair
Você vai se abaixar para pegá-la e seus óculos vão cair
E riremos disso,
Riremos de tudo,
Por que tudo será engraçado no lugar onde estaremos

Não precisamos estar sozinhos
Quem quiser vir conosco pode vir, sem pudor
Amaremos uns aos outros sem distinção
Tocaremos um ao outro sem distinção
E riremos todos juntos
E seremos vários
E seremos um

Nossos pés vão nos guiar sozinhos até nosso destino
E nosso destino é verde
Nosso destino é fresco,
Nosso destino é ventoso, e nele tem alguém tocando bandolim,
Nele tem fogueiras e gente dançando em volta dela

E o vento irá ser o maestro da nossa ópera
Será nossa voz
Será nosso corpo
Será o movimento livre dos nossos corpos dançantes
E iremos saltar
Saltar para o infinito
Onde a fumaça negra da polis não nos alcance
Onde possamos nos mover livremente
Onde possamos nos mover infinitamente,
Onde possamos ficar de cabeça para baixo e contemplar o negro se misturando com o branco
Onde as estrelas nos cerquem
Onde eu respire você
Onde eu me sinta em unidade com todos

E então o mundo vai girar
Nós não vamos notar
O sol vai raiar
E nós ainda estaremos em pé
Ouvindo o bandolim tocar
A fogueira ainda um pouco crepitando
E as batidas do coração vão revelar paz,
Nada mais que paz,
Nada mais que satisfação,
Nada mais que um cansaço prazeroso

E um dia, juntos, escreveremos;
E por noites e noites ficaremos acordados,
Eu, você, uma caneta e um caderno,
E escreveremos nossa mente no papel
E escreveremos nosso coração no papel
E povoaremos o mundo com nossas letras
Desconexas
Viscerais
Ultrajantes

E todos irão nos ler,
E todos rirão de nós
Sem ao menos imaginar
Que estaremos rindo deles
Tomando café
Fazendo nossas barbas
Dançando na chuva
E escrevendo para eles que não nos entendem...

E vamos compor
E você vai cantar, ainda que sua voz não seja boa pra isso
Mas ninguém vai se importar,
E iremos aplaudir com vigor
E eu te abraçarei, e todos nos abraçarão,
E cantaremos juntos dançando a valsa da nossas vidas
Mesclando-nos uns aos outros
Na ciranda confusa de nossas identidades

E um dia, este calor que outrora parecia infindável
Irá diminuir, eu sei
E só os mais fortes, só os mais livres,
Só os mais leves
Vão continuar sendo sacerdotes do vento

Mas isso irá abalar a nós também, não pense o contrário
Por mais puros e descalços que sejamos
Seremos induzidos
Puxados
Dragados de volta à vida da qual fugimos

Mas mesmo que o inverno de nossas convicções chegue um dia,
Teremos um ao outro
E sempre geraremos o calor necessário
Para que nossos corações não se regelem

E saiba que o inverno vai chegar
Saiba que o mundo vai tentar nos envelhecer
Nos resta conjecturar sobre como vamos lidar com isso

Neste ponto, imagino,
Alguns homens do nosso grupo terão debandado
Eles nasceram para ser executivos
Alguém nasce para ser executivo?
Não, o mundo os corrompe

E então ficaremos sozinhos?
Não, nunca estaremos sozinhos
Nem que você corte seus cabelos
E volte pela estrada pela qual viemos,
Já então há muitos anos,
Estará comigo a vívida lembrança
De nós dois dançando nos ares
E às vezes ainda dançarei nos ares, sozinho;
É claro que dançar sozinho não tem tanta graça,
Mas é melhor do que não dançar nunca...

Quem sabe então eu me sinta cansado de dançar sozinho
E me sinta, por fim, de fato, sozinho,
De coração regelado,
E eu mesmo volte pelo caminho que trilhamos,
Agora calçado e coberto
E tudo estará diferente
Por que eu serei diferente da pessoa que eu era antes de sair dali
E talvez não me aceitem
Talvez apenas me tolerem,
E me olhem com aquele olhar de desprezo
Olhar que eu respondo com um outro de escárnio,
E sei que acordarei marginalizado e com poeira negra no meu nariz
Doce vingança daquela que eu um dia rejeitei

Quem sabe eu precise usar um terno
E perca a mim mesmo no mar de ternos que me rodeará
E um dia me virão em surto
Procurando por mim mesmo
Embaixo das rochas,
Dentro das fontes,
No enrolar de um cigarro

E quem sabe eu me encontre
Quando eu te vir em uma esquina, com aliança no dedo e rosto liso
Tomaremos algo mais forte que um café
Riremos das bobagens do passado
Apertaremos as mãos cordialmente
E eu sinto sua mão
Cada dobra de sua mão
Cada nó de seus dedos
E deixo claro nos meus olhos
Que nunca é tarde para um recomeço

Meu aperto ansioso dará a entender
Que eu quero andar com você novamente
Que eu quero voltar a ser um com você
Que eu quero voltar a me sentir um com tudo

E eu ouço seu coração batendo mais forte
E eu ouço sua reponsabilidade recém-adquirida apertando com força seu coração
Eu pergunto por que você se impõe limites
E você me responde que todo o ser humano deve ser assim
Eu pergunto por que devemos ser assim
E você me responde que ninguém tem a resposta
Eu proponho que busquemos a resposta juntos,
E seu coração rompe a corrente
E seu espírito começa a mover-se, feliz,

E nos damos as mãos
Deixamos um rastro de roupas impecáveis pela estrada de chão que seguimos
Colocamos coroas de lírios sobre nossas cabeças,
Falamos sobre tudo
Falamos sobre nada
Sentimo-nos crianças de novo,
Sentimo-nos livres de novo,

E à noite, com a fogueira já acesa,
Ficamos de frente um para o outro,
Nossos corpos se juntam como dois ímãs,
E começamos a valsar
Começamos a flutuar
E dessa vez
Nunca mais paramos de dançar.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Canto da Desilusão

Um dia meu corpo foi pequeno
mas Eu,
Eu era grande;
Grande demais
sonhador demais
poderoso demais.
Vivi na iminência de grandes realizações
incentivado por grandes expectativas
Eu estava pronto para ser maior.
Então virei jovem.
Minha mentalidade imberbe foi surpreendida
por meu queixo de vanguarda
e aos meus heróis guerrilheiros
dediquei barba
brinco
lenço
poemas.
Fui poeta promissor
poeta produtor
poeta criador
poeta amante
poeta amador.
Troquei sim
mil vezes
de bandeira.
Troquei sim
milhões de vezes
de discurso.
Personalidade errante, volúvel,
procurando subsídios,
solo duro,
solo fértil,
solo firme.
Mas a palavra não foi suficiente.
Na beirada das ações
no limiar da grandeza
na fronteira de algo finalmente grande,
precisei abrir os olhos.
E chorei.
Porque a nova ordem não chegou
por que os homens estão cegos
por que NADA que foi dito
por que NADA que eu possa dizer
vai fazer alguma diferença.

Desculpe-nos Nietzsche e seu homem superior
Desculpe-nos Jesus e seu fatal amor
Desculpe-nos Perón, e desculpe-nos Perón
Desculpe-nos Guevara, olvide la revolución

Nenhuma bandeira até hoje
foi digna de ser hasteada
Minhas ideias estavam erradas
minhas conjecturas estavam erradas
minha barba estava errada
Meus sonhos de criança,
não os verei realizados
não enquanto viver
não nesse passo
E vou morrer com a dura perspectiva
de que NADA que foi feito
de que NADA que eu possa fazer
vai abrir os olhos da minha geração
perdida
cega
surda
muda.

Desculpe-nos Mahatma
Desculpe-nos Calcutá
Desculpe-me Allen
Desculpe-me Kerouac

Pra você que começou
e deixou pra eu terminar
com lágrimas nos olhos
venho anunciar
Vocês falharam
Me fadaram a falhar.

Ao vagabundo que não vejo no espelho

Como não amá-lo?
Como não amar este vagabundo que habita clandestinamente vagões de grãos e assim desbrava a América?
Como não amar este vagabundo de fala mansa e eloquente que sussurra no meu ouvido e me abraça por trás perscrutando o horizonte?
Como não amar este vagabundo que sorri com muitos dentes e cuja risada transborda pelos olhos de quando em vez?
Como não amar este vagabundo cuja fonte de inspiração é inesgotável e vive compondo odes à vida e a todos?
Como não amar este vagabundo inquieto que passa pela vida dançando com flores nos cabelos e sujando os pés de terra?
Como não amar este vagabundo dançarino?
Como não amar este vagabundo inocente que levou um soco no rosto ao pedir para um homem do novo século que tirasse a roupa em frente às suas lentes?
Como não amar este vagabundo que largou a universidade e um futuro brilhante em troca da sua amada arte e de um futuro sublime?
Como não amar este vagabundo, vagabunda, bicha desregrada que não conhece pudor e repudia qualquer tipo de vestimenta?
Como não amá-lo?
Como não amá-lo, judeu, circuncidado, amante e míope?
Como não amá-lo, escritor, ator, assassino e corcunda?
Como não amá-lo, hippie, hoboe, viciado e sujo? Maluco, dopado, sóbrio, sensato?
Como não amá-lo e abraçá-lo e aceitá-lo e deixá-lo aflorar e reconhecê-lo no espelho?
Como não vivê-lo?
Por que não vivê-lo?