quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Ao vagabundo que não vejo no espelho

Como não amá-lo?
Como não amar este vagabundo que habita clandestinamente vagões de grãos e assim desbrava a América?
Como não amar este vagabundo de fala mansa e eloquente que sussurra no meu ouvido e me abraça por trás perscrutando o horizonte?
Como não amar este vagabundo que sorri com muitos dentes e cuja risada transborda pelos olhos de quando em vez?
Como não amar este vagabundo cuja fonte de inspiração é inesgotável e vive compondo odes à vida e a todos?
Como não amar este vagabundo inquieto que passa pela vida dançando com flores nos cabelos e sujando os pés de terra?
Como não amar este vagabundo dançarino?
Como não amar este vagabundo inocente que levou um soco no rosto ao pedir para um homem do novo século que tirasse a roupa em frente às suas lentes?
Como não amar este vagabundo que largou a universidade e um futuro brilhante em troca da sua amada arte e de um futuro sublime?
Como não amar este vagabundo, vagabunda, bicha desregrada que não conhece pudor e repudia qualquer tipo de vestimenta?
Como não amá-lo?
Como não amá-lo, judeu, circuncidado, amante e míope?
Como não amá-lo, escritor, ator, assassino e corcunda?
Como não amá-lo, hippie, hoboe, viciado e sujo? Maluco, dopado, sóbrio, sensato?
Como não amá-lo e abraçá-lo e aceitá-lo e deixá-lo aflorar e reconhecê-lo no espelho?
Como não vivê-lo?
Por que não vivê-lo?

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