Désenchantée
terça-feira, 2 de outubro de 2012
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Uma tarde em preto e branco e um nariz vermelho
Numa dessas tardes escuras, ventosas, melancólicas e suicidas, onde tudo que se vê é feito de pó e sujeira, andava por aí, em um subúrbio qualquer de uma cidade pequena, um jovem homem.
Garoto sujo, ele era, ainda que parecesse um anjo barroco de andar calmo e sorriso de muitos dentes. Andava por aí como quem nada queria, ou como quem nada podia além de andar e andar. Nas mãos, carregava sacolas de feira, repletas de verduras. No bolso, balançavam-se caixas de incenso recém-roubadas. No pescoço, pedras penduradas cadenciavam seu caminhar em uma sucessão infernal de baques.
Ninguém que passava por ele o notava, e ele se sentia confortável com isso. Conformado, na verdade. Não fazia nada para ser notado, isso era verdade. Andava por aí encolhido, como quem foge da chuva tentando passar por entre os pingos. Sua coluna, inclusive, já estava ficando encurvada por causa do seu andar desejoso de invisibilidade e das noites que passava recurvado sobre uma escrivaninha rabiscando palavras infrutíferas.
Mas ele bem sabia que não precisava ser assim. Por algum motivo, desde que se fizera gente pensante, sabia que nascera para ser visto, para ser ouvido. Sua mente era um turbilhão de teorias, pensamentos, imagens abstratas, e era desesperador que as pessoas não parassem para observar, atônitas, o caleidoscópio da mente humana que tão bem sabia ler e retratar.
Ele nutria certo ódio pelas pessoas que não o notavam, e às vezes, em resposta a isso, tornava-se apático e desinteressado, resoluto em fechar-se em seu mundo e privar a humanidade de tudo o que ele poderia oferecer.
Caminhava, aquele dia, pelo meio da rua sem carros devaneando sobre a mesquinhez do existir e sobre a terra que vinha de encontro ao seu cabelo a cada lufada de ar que o atingia. Chegava a poucas conclusões. Na verdade, raramente chegava a conclusões concretas, independente do objeto de devaneio. Seus pensamentos sempre acabavam inacabados, reticentes...
Sacudindo a cabeça, inconformado com... (Quem há de saber o mistério de suas inconformidades? Nem ao menos ele conhecia as profundezas de suas frustrações e caprichos), decidiu preocupar-se com o caminho que trilhava.
Chegaria logo a sua casa escura e pobre em mobília, deitaria no sofá e dormiria um sono profundo, mas que não lhe tiraria o cansaço e o peso que sentia aumentar a cada dia sobre seus ombros, e desperdiçaria mais uma das tardes de sua vida. Seu caminho era, então, reto em direção ao seu lar, reto até seu imutável rumo, ninho de inércia e asfixia.
Ele gostava de caminhar. Caminhar era uma das poucas coisas que o faziam sentir-se vivo. Ao caminhar por aí, fingia que desempenhava uma função crucial para o curso do mundo, e sentia-se tocado. Ele esbarrava em pessoas, escolhia frutas na feira, sentia o vento contra o seu rosto, e assim sentia-se parte de um sistema complexo de funções onde os ombros serviam ao propósito de por ele serem esbarrados, as frutas serviam ao propósito de por ele serem compradas, e o vento servia ao propósito de por ele ser amado e louvado diariamente.
Caminhar cansava as pernas, e isso o fazia sentir-se humano, ligado a terra. Vivendo em uma bolha, era fácil ver-se à beira de acreditar ser uma entidade livre de qualquer aspecto de humanidade. Muito já se vira surpreso por sentir fome, ou por adoecer como qualquer outra pessoa.
Caminhava por que era bicho criado em cativeiro, e gostava de sentir o gosto da liberdade nem que fosse um pouco, antes de voltar à sua gaiola e forçar em sua siringe mais um canto de melancolia juvenil.
Caminhava por que por trás da fachada entediada e do olhar blasé, escondia-se um garoto inquieto e curioso, perguntando-se a cada instante se hoje encontraria algo que tornaria o seu dia inesquecível.
De fato, praguejava contra a previsibilidade de seu percurso quando o viu.
Longe de ser um palhaço que se vê em circos,
Aquele que ali se via era daquele que se vê em sonhos
Em pesadelos, segurando facas,
Em filmes, comendo crianças.
Mas este palhaço, diferente do esperado,
Não causou nem uma fagulha de espanto no garoto
Que parou, estático, para admirá-lo
Enquanto talhava algum animal em um cubo de madeira.
Sentava-se entre o entulho,
Fronte uma casa em ruínas,
Era dos mais interessantes, ora
Onde já se vira um palhaço entediado?
Sua maquiagem já quase não existia
Além do vermelho do nariz, um pouco do preto dos olhos
Que escorrera pelo meio da face
Revelando que há pouco chorara.
O palhaço entediado tinha um cigarro pendendo da boca
E o fumava solenemente
Ora, ele fumava solenemente,
O quão interessante isso era?
O palhaço fumava e talhava animais em madeira
Enquanto tentava não chorar
E as pessoas que passavam por ele
Simplesmente pareciam não nota-lo.
Sua peruca estava caída no chão
Estava disposto a deixar logo de ser palhaço
Aquela vida já não lhe servia há muito
A vida deixara de servir-lhe há muito.
Seu cabelo longo balançava por aí
Negro como o escuro de sua alma
Às vezes escondendo seu rosto
Ele desejava que fosse sempre assim.
Ele desejava que seu rosto fosse maquiado pela última vez
E que essa maquiagem não saísse com a chuva
Ou que não escorressem com o sal da lágrima
Mas que o escondesse para sempre seu rosto
Para que as pessoas que esperavam ver em sua face um sorriso
Não vissem sua derradeira expressão de tristeza.
Era um palhaço solitário
E o quão interessante era isso?
Era um palhaço sem amigos,
Um palhaço que não tinha ninguém para fazer rir.
Na verdade estava cansado de fazer as pessoas rirem
Pois elas riam dele
E ele, de quê ria?
Ele não ria de verdade, pois não tinha com quem rir.
E então ele riu,
Ao finalmente entender uma piada que há muito lhe contaram.
Sacudiu a cabeça, devia ser uma piada idiota
Respirou fundo e afundou-se na melancolia novamente.
Exalou fumaça pelo nariz,
E sentiu prazer ao sentir a podridão do cigarro circulando dentro de si.
Fumar o fazia sentir vivo
Ou o deixava ciente da morte,
E a ciência da morte o direcionava ao viver.
Além do mais, fumar o fazia sentir-se bem
E extremamente atraente
De fato, o garoto sentiu-se de alguma forma atraído pelo palhaço
Havia algo na maneira que aquele desgraçado punha o cigarro na boca.
O palhaço suspirou e tossiu
Já passava quem sabe dos quarenta anos
Seus pulmões, quem sabe, já fossem sacos negros de sujeira
E o quão maravilhosamente interessante aquilo podia ser?
Talvez ele não tivesse mais uma vida inteira a sua frente
E talvez ele nunca mais deixasse de ser palhaço,
Por que talvez ele não soubesse fazer nada além disso
E tinha plena ciência desta sina.
Quem sabe fumasse na esperança de não ter que ser palhaço até os oitenta,
Talvez por isso também bebesse e cheirasse com um trapezista que conhecera em um circo romeno
Talvez por isso não conhecesse vacina, remédio, um médico
Por que talvez simplesmente não se importasse.
Um palhaço... um palhaço triste sentado à beira do entulho
O entulho nada mais era do que seu interior despedaçado
Ruínas de sua alma
Uma casa vazia ao chão...
O palhaço fitou o garoto, desinteressado, e garoto respondeu com o recomeçar de seu andar, hesitante.
Andava por aí com a cabeça doendo e por um bom tempo pensou no palhaço que acabara de ver, antes de, enfim, chegar a uma conclusão:
Era também um palhaço.
Dolorido de se pensar, mas também verdadeiro. Era um palhaço, e a camada de pó em seu rosto era grossa.
Seu coração doeu e seu estômago se contraiu. Parou ali mesmo onde estava, e antes que pudesse contê-las, sentiu lágrimas verterem pelos olhos e escorrerem pelo rosto.
Chorou imóvel e sem esboçar nenhuma expressão por algum tempo. Procurou sentir o vento batendo no seu rosto e secando seu choro e parou de prestar atenção na vertigem que parecia querer assomá-lo. Chorou por chorar, chorou por não ter mais o que fazer, chorou por que não o fazia há muito.
Tudo o que pesava em sua cabeça e tudo o que maculava seu coração escorreu pelos seus olhos naqueles poucos segundo de pranto. E as lágrimas queimavam em seu rosto, mas quando parou de chorar, notou que ele estava limpo.
Respirou fundo e voltou a andar.
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
Primeiras memórias de um carniçal
Uiva o lobo faminto
O sangue tinge a lua
Larápio de vidas na rua
Limpando sua boca, fugindo
Cadáveres ainda quentes
Dormiam enfim na calçada
O Negro, assim de passada,
Mordera-lhes com os seus dentes
A lágrima cai pela vala
O grito é trancado à garganta
A ninfa outrora santa
Assiste a tudo e se cala
...
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Um dia desses...
O que eu mais quero nessa vida é dar as costas a tudo,
E andar à beira de uma estrada
Com sua mão segurando forte a minha;
Quero que tiremos os sapatos
E que pisemos confiantes a terra
E quando sentirmos o sol afagando nossas costas nuas
E a felicidade inexplicável que aquilo nos trará
Sorriremos com a certeza de um destino melhor
Conversaremos sobre tudo
Conversaremos sobre nada
Ficaremos em silêncio e nos olharemos
Sem precisar conversar
Sem precisar falar
Por que nós saberemos de tudo
Por que nosso olhar vai dizer tudo
Por que nossa risada vai dizer tudo
O vento vai soprar e seus cabelos vão voar,
Sua coroa de lírios vai cair
Você vai se abaixar para pegá-la e seus óculos vão cair
E riremos disso,
Riremos de tudo,
Por que tudo será engraçado no lugar onde estaremos
Não precisamos estar sozinhos
Quem quiser vir conosco pode vir, sem pudor
Amaremos uns aos outros sem distinção
Tocaremos um ao outro sem distinção
E riremos todos juntos
E seremos vários
E seremos um
Nossos pés vão nos guiar sozinhos até nosso destino
E nosso destino é verde
Nosso destino é fresco,
Nosso destino é ventoso, e nele tem alguém tocando bandolim,
Nele tem fogueiras e gente dançando em volta dela
E o vento irá ser o maestro da nossa ópera
Será nossa voz
Será nosso corpo
Será o movimento livre dos nossos corpos dançantes
E iremos saltar
Saltar para o infinito
Onde a fumaça negra da polis não nos alcance
Onde possamos nos mover livremente
Onde possamos nos mover infinitamente,
Onde possamos ficar de cabeça para baixo e contemplar o negro se misturando com o branco
Onde as estrelas nos cerquem
Onde eu respire você
Onde eu me sinta em unidade com todos
E então o mundo vai girar
Nós não vamos notar
O sol vai raiar
E nós ainda estaremos em pé
Ouvindo o bandolim tocar
A fogueira ainda um pouco crepitando
E as batidas do coração vão revelar paz,
Nada mais que paz,
Nada mais que satisfação,
Nada mais que um cansaço prazeroso
E um dia, juntos, escreveremos;
E por noites e noites ficaremos acordados,
Eu, você, uma caneta e um caderno,
E escreveremos nossa mente no papel
E escreveremos nosso coração no papel
E povoaremos o mundo com nossas letras
Desconexas
Viscerais
Ultrajantes
E todos irão nos ler,
E todos rirão de nós
Sem ao menos imaginar
Que estaremos rindo deles
Tomando café
Fazendo nossas barbas
Dançando na chuva
E escrevendo para eles que não nos entendem...
E vamos compor
E você vai cantar, ainda que sua voz não seja boa pra isso
Mas ninguém vai se importar,
E iremos aplaudir com vigor
E eu te abraçarei, e todos nos abraçarão,
E cantaremos juntos dançando a valsa da nossas vidas
Mesclando-nos uns aos outros
Na ciranda confusa de nossas identidades
E um dia, este calor que outrora parecia infindável
Irá diminuir, eu sei
E só os mais fortes, só os mais livres,
Só os mais leves
Vão continuar sendo sacerdotes do vento
Mas isso irá abalar a nós também, não pense o contrário
Por mais puros e descalços que sejamos
Seremos induzidos
Puxados
Dragados de volta à vida da qual fugimos
Mas mesmo que o inverno de nossas convicções chegue um dia,
Teremos um ao outro
E sempre geraremos o calor necessário
Para que nossos corações não se regelem
E saiba que o inverno vai chegar
Saiba que o mundo vai tentar nos envelhecer
Nos resta conjecturar sobre como vamos lidar com isso
Neste ponto, imagino,
Alguns homens do nosso grupo terão debandado
Eles nasceram para ser executivos
Alguém nasce para ser executivo?
Não, o mundo os corrompe
E então ficaremos sozinhos?
Não, nunca estaremos sozinhos
Nem que você corte seus cabelos
E volte pela estrada pela qual viemos,
Já então há muitos anos,
Estará comigo a vívida lembrança
De nós dois dançando nos ares
E às vezes ainda dançarei nos ares, sozinho;
É claro que dançar sozinho não tem tanta graça,
Mas é melhor do que não dançar nunca...
Quem sabe então eu me sinta cansado de dançar sozinho
E me sinta, por fim, de fato, sozinho,
De coração regelado,
E eu mesmo volte pelo caminho que trilhamos,
Agora calçado e coberto
E tudo estará diferente
Por que eu serei diferente da pessoa que eu era antes de sair dali
E talvez não me aceitem
Talvez apenas me tolerem,
E me olhem com aquele olhar de desprezo
Olhar que eu respondo com um outro de escárnio,
E sei que acordarei marginalizado e com poeira negra no meu nariz
Doce vingança daquela que eu um dia rejeitei
Quem sabe eu precise usar um terno
E perca a mim mesmo no mar de ternos que me rodeará
E um dia me virão em surto
Procurando por mim mesmo
Embaixo das rochas,
Dentro das fontes,
No enrolar de um cigarro
E quem sabe eu me encontre
Quando eu te vir em uma esquina, com aliança no dedo e rosto liso
Tomaremos algo mais forte que um café
Riremos das bobagens do passado
Apertaremos as mãos cordialmente
E eu sinto sua mão
Cada dobra de sua mão
Cada nó de seus dedos
E deixo claro nos meus olhos
Que nunca é tarde para um recomeço
Meu aperto ansioso dará a entender
Que eu quero andar com você novamente
Que eu quero voltar a ser um com você
Que eu quero voltar a me sentir um com tudo
E eu ouço seu coração batendo mais forte
E eu ouço sua reponsabilidade recém-adquirida apertando com força seu coração
Eu pergunto por que você se impõe limites
E você me responde que todo o ser humano deve ser assim
Eu pergunto por que devemos ser assim
E você me responde que ninguém tem a resposta
Eu proponho que busquemos a resposta juntos,
E seu coração rompe a corrente
E seu espírito começa a mover-se, feliz,
E nos damos as mãos
Deixamos um rastro de roupas impecáveis pela estrada de chão que seguimos
Colocamos coroas de lírios sobre nossas cabeças,
Falamos sobre tudo
Falamos sobre nada
Sentimo-nos crianças de novo,
Sentimo-nos livres de novo,
E à noite, com a fogueira já acesa,
Ficamos de frente um para o outro,
Nossos corpos se juntam como dois ímãs,
E começamos a valsar
Começamos a flutuar
E dessa vez
Nunca mais paramos de dançar.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Canto da Desilusão
Um dia meu corpo foi pequeno
mas Eu,
Eu era grande;
mas Eu,
Eu era grande;
Grande demais
sonhador demais
poderoso demais.
sonhador demais
poderoso demais.
Vivi na iminência de grandes realizações
incentivado por grandes expectativas
Eu estava pronto para ser maior.
incentivado por grandes expectativas
Eu estava pronto para ser maior.
Então virei jovem.
Minha mentalidade imberbe foi surpreendida
por meu queixo de vanguarda
e aos meus heróis guerrilheiros
dediquei barba
brinco
lenço
poemas.
por meu queixo de vanguarda
e aos meus heróis guerrilheiros
dediquei barba
brinco
lenço
poemas.
Fui poeta promissor
poeta produtor
poeta criador
poeta amante
poeta amador.
poeta produtor
poeta criador
poeta amante
poeta amador.
Troquei sim
mil vezes
de bandeira.
mil vezes
de bandeira.
Troquei sim
milhões de vezes
de discurso.
milhões de vezes
de discurso.
Personalidade errante, volúvel,
procurando subsídios,
solo duro,
solo fértil,
solo firme.
procurando subsídios,
solo duro,
solo fértil,
solo firme.
Mas a palavra não foi suficiente.
Na beirada das ações
no limiar da grandeza
na fronteira de algo finalmente grande,
precisei abrir os olhos.
no limiar da grandeza
na fronteira de algo finalmente grande,
precisei abrir os olhos.
E chorei.
Porque a nova ordem não chegou
por que os homens estão cegos
por que NADA que foi dito
por que NADA que eu possa dizer
vai fazer alguma diferença.
por que os homens estão cegos
por que NADA que foi dito
por que NADA que eu possa dizer
vai fazer alguma diferença.
Desculpe-nos Nietzsche e seu homem superior
Desculpe-nos Jesus e seu fatal amor
Desculpe-nos Perón, e desculpe-nos Perón
Desculpe-nos Guevara, olvide la revolución
Nenhuma bandeira até hoje
foi digna de ser hasteada
foi digna de ser hasteada
Minhas ideias estavam erradas
minhas conjecturas estavam erradas
minha barba estava errada
minhas conjecturas estavam erradas
minha barba estava errada
Meus sonhos de criança,
não os verei realizados
não enquanto viver
não nesse passo
não os verei realizados
não enquanto viver
não nesse passo
E vou morrer com a dura perspectiva
de que NADA que foi feito
de que NADA que eu possa fazer
vai abrir os olhos da minha geração
perdida
cega
surda
muda.
de que NADA que foi feito
de que NADA que eu possa fazer
vai abrir os olhos da minha geração
perdida
cega
surda
muda.
Desculpe-nos Mahatma
Desculpe-nos Calcutá
Desculpe-me Allen
Desculpe-me Kerouac
Pra você que começou
e deixou pra eu terminar
com lágrimas nos olhos
venho anunciar
Vocês falharam
e deixou pra eu terminar
com lágrimas nos olhos
venho anunciar
Vocês falharam
Me fadaram a falhar.
Ao vagabundo que não vejo no espelho
Como não amá-lo?
Como não amar este vagabundo que habita clandestinamente vagões de grãos e assim desbrava a América?
Como não amar este vagabundo de fala mansa e eloquente que sussurra no meu ouvido e me abraça por trás perscrutando o horizonte?
Como não amar este vagabundo que sorri com muitos dentes e cuja risada transborda pelos olhos de quando em vez?
Como não amar este vagabundo cuja fonte de inspiração é inesgotável e vive compondo odes à vida e a todos?
Como não amar este vagabundo inquieto que passa pela vida dançando com flores nos cabelos e sujando os pés de terra?
Como não amar este vagabundo dançarino?
Como não amar este vagabundo inocente que levou um soco no rosto ao pedir para um homem do novo século que tirasse a roupa em frente às suas lentes?
Como não amar este vagabundo que largou a universidade e um futuro brilhante em troca da sua amada arte e de um futuro sublime?
Como não amar este vagabundo, vagabunda, bicha desregrada que não conhece pudor e repudia qualquer tipo de vestimenta?
Como não amá-lo?
Como não amá-lo, judeu, circuncidado, amante e míope?
Como não amá-lo, escritor, ator, assassino e corcunda?
Como não amá-lo, hippie, hoboe, viciado e sujo? Maluco, dopado, sóbrio, sensato?
Como não amá-lo e abraçá-lo e aceitá-lo e deixá-lo aflorar e reconhecê-lo no espelho?
Como não vivê-lo?
Por que não vivê-lo?
domingo, 31 de julho de 2011
Ninar do Sargento
E ela sentou-se ao meu lado e com toda a macieza que lhe cabia começou a disparar:
“Você vai ser rejeitado durante sua vida inteira
irá vagar pela sarjeta
fronte a postos de saúde,
hospícios,
asilos,
junto a ratos, ossos, evidências e veneno.
irá vagar pela sarjeta
fronte a postos de saúde,
hospícios,
asilos,
junto a ratos, ossos, evidências e veneno.
Você vai fugir.
Vai fugir a vida inteira,
mas seu passado é seu fiel companheiro:
Ele te segue.
mas seu passado é seu fiel companheiro:
Ele te segue.
Você vai procurar alívio,
mas a seringa vai te matar
e você sabe disso,
e você vai procurar isso
mesmo sem saber...
mas a seringa vai te matar
e você sabe disso,
e você vai procurar isso
mesmo sem saber...
E vamos, feche os olhos,
que nem eu e nem você temos idade para isso...”.
que nem eu e nem você temos idade para isso...”.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Canto da Melancolia
Pretendente à verdade? Tu? – zombavam –
Não! Apenas um poeta!
Um animal, e astuto, rapinante, furtivo,
Que tem de mentir,
Que tem, ciente e voluntariamente, de mentir:
Cobiçando a presa,
Mascarado de várias cores,
Mácara para si próprio,
Para si próprio presa...
Isto, o pretendente à verdade?
Não! Apenas louco! Apenas poeta!
Proferindo só discursos confusos,
Gritando desordenadamente por detrás de máscaras de bobo,
Andando por cima de mentirosas pontes de palavras,
Por cima de arco-íris multicolores,
Entre falsos céus e falsas terras,
Vagueando, pairando por aí...
Apenas louco! Apenas poeta!
Não! Apenas um poeta!
Um animal, e astuto, rapinante, furtivo,
Que tem de mentir,
Que tem, ciente e voluntariamente, de mentir:
Cobiçando a presa,
Mascarado de várias cores,
Mácara para si próprio,
Para si próprio presa...
Isto, o pretendente à verdade?
Não! Apenas louco! Apenas poeta!
Proferindo só discursos confusos,
Gritando desordenadamente por detrás de máscaras de bobo,
Andando por cima de mentirosas pontes de palavras,
Por cima de arco-íris multicolores,
Entre falsos céus e falsas terras,
Vagueando, pairando por aí...
Apenas louco! Apenas poeta!
Fragmento de "Assim Falava Zaratustra", Nietzsche
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Cidade da Poeira
No coração do mundo, nas entranhas da civilização, envolta por terra, esgoto e sujeira se encontra a Cidade da Poeira.
Carros, fumaça, arranha-céus, a obra prima do novo século!
E no vigésimo sexto andar de um arranha-céu um poeta toma seu último gole de café e pela janela vislumbra as silhuetas monstruosas dos edifícios à sua frente. Então se inclina janela afora e contempla o Negro.
E o Negro faz da Cidade da Poeira sua mais querida das moradas, e é possível vê-lo em qualquer lugar, exibindo timidamente seu manto de retalhos.
Nas esquinas, no trânsito, nos arranha-céus, num esqueleto de sobrado em uma rua transversal do subúrbio, lá está ele, apodrecendo próstatas e rins, fígados e estômagos, mais colorida do que nunca, mais azul do que nunca.
O Negro é uma força que não destrói, absorve. O Negro não interrompe o fluxo de vida dos seres, ele o redireciona para a Vertente Original que é também o Destino Final, de onde todos vêm, para onde todos vão.
O Negro é uma passagem. O Negro é um túnel.
O Negro é colorido, por que quem passa por ele deixa suas impressões.
O Negro é azul, por que o homem que tem passado por lá, só teve melancolia para deixar.
Seus habitantes são os Inertes, por que seu coração é gélido, e um coração gélido não tem anseios.
Os Inertes são homens que perderam a voz. Pouco faz falta para eles de qualquer forma, pois pouco teriam a dizer se tivessem. Alguns deles, entretanto, se comunicam de forma grotesca, porém estes são como Sileno: Consideram-se detentores de uma imensa sabedoria, e só falam a verdade no açoite ou na bebida.
O Inerte, antes de perder a voz, já havia desaprendido a ouvir.
Talvez por isso falar tenha se tornado desnecessário;
Por que falar em um lugar onde ninguém ouve
faz de você
um completo
imbecil.
E ainda assim o Inerte tem medo do silêncio. A Cidade da Poeira é um lugar onde o barulho nunca cessa, por que os Inertes têm medo de ouvir um som que só se ouve no silêncio: A voz interior. Os Inertes não ouvem e não conversam consigo mesmos, por que têm medo do que podem ouvir, têm medo do que podem ter a falar seus corações.
Há quem diga que os Inertes também não podem ver.
Abençoados são eles.
Há quem diga ainda que os Inertes não sentem cheiro algum.
Pois abençoados são eles!
Os Inertes são ótimos atores. Eles conseguem fingir que a vida que têm é a vida que querem. Eles costumam enganar a si mesmos disso. Eles costumam convencer-se que seu estilo de vida dá certo!
Pois os Americanos nunca erram!
Então derrubem-se essas partículas estrangeiras! Ofensas à instituição familiar! Empalem-nos em frente aos fast-foods!
Os Inertes pouco sentem. Aquilo que sentem não são sentimentos, mas crepitações que não podem ser chamadas de sentimentos. São reflexos grotescos.
O Inerte não tem motivações. Ele é movido por uma vontade que não pode ser considerada vontade por ser demasiado rasa, mas algo que pode ser considerado um mero senso comum importado, o que chamamos de Sede de Poder.
A Vida do Inerte é uma vida que nasce na trilha do Negro, e para quem não conhece cor, a vida é um lento suicídio.
A Cidade da Poeira é um lugar onde não se pode fugir do Negro, não se pode fugir do medo, não se pode fugir da insônia.
A Cidade da Poeira nunca dorme.
A noite da Cidade da Poeira é longa, e todos esperam por ela para poderem ter a chance de ser alguém que na realidade não são.
A noite transforma todas as mulheres em Drag Queens e todos os homens em Punks, Motoqueiros, Skinheads e Vampiros.
Punks, Motoqueiros, Skinheads e Vampiros estes, que vagam pela noite provocando-se entre si e almejando um título que não merecem justamente por que o almejam, e isso os enfada de tal forma que se reúnem em banheiros públicos masculinos para externar testosterona e espancar poetas, sem saber que a noite é terreno genuinamente deles.
Depois cruzam a Wall Street de São Paulo sob as nuvens negras de Londres em seus conversíveis rebaixados com os bancos de couro sujos de vômito, e juntos mijam nos postes e cospem na cara dos executivos que eles mesmos são ao amanhecer.
E ainda, antes de amanhecer, abaixam suas calças para senhoras de meia calça que fedem a gato e ensinam francês, por que isso os faz sentir mais livres, os faz sentir mais alternativos, sem saber que na verdade o que estão fazendo é obedecer à força que os torna Inertes.
A noite nunca dá a resposta que nela se procura. A seringa não dá a resposta que nela se procura. A boate, a pista de dança repleta de Drag Queens, a cerca repleta de machos com sua pose de macho segurando sua cerveja de macho conversando coisas de macho repudiando a música, a bebida, o punho no estômago do garoto magro, a foda nas escadas do condomínio, a lâmina que corta os pulsos, nada preenche o vazio que todos sentem.
E a Lua, pobre Lua, através da Poeira que a encobre, observa a cidade com uma tristeza infinita, mas ninguém a observa além do poeta de olho roxo e costelas partidas, ávido por encontrar alguém com quem repartir suas lágrimas.
E eles se reconhecem e trocam conselhos.
E ele chora.
Ele que nasceu pequeno mas de coração grande, ele que nasceu com a obrigação de sofrer pelos outros, ele que nasceu com a visão de maior alcance, ele que nasceu viado e rejeitado, ele que nasceu no lugar errado...
Ele que, mais que todos, deseja sair desta nuvem negra,
Da cidade das fábricas,
Da cidade dos canibais,
Da cidade dos neandertais,
Da cidade dos canos que ejaculam fumaça,
Da cidade das bocas que ejaculam fumaça,
Da cidade dos homens que veneram a Bomba...
Ele que só precisa fugir
Respirar ar puro pela primeira vez
Se movimentar pela primeira vez
Quebrar o Fluxo
Rejeitar a Inércia
Vomitar toda a Poeira e se tornar leve e se mover ao sabor do vento
Se desintegrar no vento
Como um dente-de-leão
Como inúmeras e infindáveis partículas
E conhecer
por fim
a Liberdade...
Carros, fumaça, arranha-céus, a obra prima do novo século!
E no vigésimo sexto andar de um arranha-céu um poeta toma seu último gole de café e pela janela vislumbra as silhuetas monstruosas dos edifícios à sua frente. Então se inclina janela afora e contempla o Negro.
E o Negro faz da Cidade da Poeira sua mais querida das moradas, e é possível vê-lo em qualquer lugar, exibindo timidamente seu manto de retalhos.
Nas esquinas, no trânsito, nos arranha-céus, num esqueleto de sobrado em uma rua transversal do subúrbio, lá está ele, apodrecendo próstatas e rins, fígados e estômagos, mais colorida do que nunca, mais azul do que nunca.
O Negro é uma força que não destrói, absorve. O Negro não interrompe o fluxo de vida dos seres, ele o redireciona para a Vertente Original que é também o Destino Final, de onde todos vêm, para onde todos vão.
O Negro é uma passagem. O Negro é um túnel.
O Negro é colorido, por que quem passa por ele deixa suas impressões.
O Negro é azul, por que o homem que tem passado por lá, só teve melancolia para deixar.
Seus habitantes são os Inertes, por que seu coração é gélido, e um coração gélido não tem anseios.
Os Inertes são homens que perderam a voz. Pouco faz falta para eles de qualquer forma, pois pouco teriam a dizer se tivessem. Alguns deles, entretanto, se comunicam de forma grotesca, porém estes são como Sileno: Consideram-se detentores de uma imensa sabedoria, e só falam a verdade no açoite ou na bebida.
O Inerte, antes de perder a voz, já havia desaprendido a ouvir.
Talvez por isso falar tenha se tornado desnecessário;
Por que falar em um lugar onde ninguém ouve
faz de você
um completo
imbecil.
E ainda assim o Inerte tem medo do silêncio. A Cidade da Poeira é um lugar onde o barulho nunca cessa, por que os Inertes têm medo de ouvir um som que só se ouve no silêncio: A voz interior. Os Inertes não ouvem e não conversam consigo mesmos, por que têm medo do que podem ouvir, têm medo do que podem ter a falar seus corações.
Há quem diga que os Inertes também não podem ver.
Abençoados são eles.
Há quem diga ainda que os Inertes não sentem cheiro algum.
Pois abençoados são eles!
Os Inertes são ótimos atores. Eles conseguem fingir que a vida que têm é a vida que querem. Eles costumam enganar a si mesmos disso. Eles costumam convencer-se que seu estilo de vida dá certo!
Pois os Americanos nunca erram!
Então derrubem-se essas partículas estrangeiras! Ofensas à instituição familiar! Empalem-nos em frente aos fast-foods!
Os Inertes pouco sentem. Aquilo que sentem não são sentimentos, mas crepitações que não podem ser chamadas de sentimentos. São reflexos grotescos.
O Inerte não tem motivações. Ele é movido por uma vontade que não pode ser considerada vontade por ser demasiado rasa, mas algo que pode ser considerado um mero senso comum importado, o que chamamos de Sede de Poder.
A Vida do Inerte é uma vida que nasce na trilha do Negro, e para quem não conhece cor, a vida é um lento suicídio.
A Cidade da Poeira é um lugar onde não se pode fugir do Negro, não se pode fugir do medo, não se pode fugir da insônia.
A Cidade da Poeira nunca dorme.
A noite da Cidade da Poeira é longa, e todos esperam por ela para poderem ter a chance de ser alguém que na realidade não são.
A noite transforma todas as mulheres em Drag Queens e todos os homens em Punks, Motoqueiros, Skinheads e Vampiros.
Punks, Motoqueiros, Skinheads e Vampiros estes, que vagam pela noite provocando-se entre si e almejando um título que não merecem justamente por que o almejam, e isso os enfada de tal forma que se reúnem em banheiros públicos masculinos para externar testosterona e espancar poetas, sem saber que a noite é terreno genuinamente deles.
Depois cruzam a Wall Street de São Paulo sob as nuvens negras de Londres em seus conversíveis rebaixados com os bancos de couro sujos de vômito, e juntos mijam nos postes e cospem na cara dos executivos que eles mesmos são ao amanhecer.
E ainda, antes de amanhecer, abaixam suas calças para senhoras de meia calça que fedem a gato e ensinam francês, por que isso os faz sentir mais livres, os faz sentir mais alternativos, sem saber que na verdade o que estão fazendo é obedecer à força que os torna Inertes.
A noite nunca dá a resposta que nela se procura. A seringa não dá a resposta que nela se procura. A boate, a pista de dança repleta de Drag Queens, a cerca repleta de machos com sua pose de macho segurando sua cerveja de macho conversando coisas de macho repudiando a música, a bebida, o punho no estômago do garoto magro, a foda nas escadas do condomínio, a lâmina que corta os pulsos, nada preenche o vazio que todos sentem.
E a Lua, pobre Lua, através da Poeira que a encobre, observa a cidade com uma tristeza infinita, mas ninguém a observa além do poeta de olho roxo e costelas partidas, ávido por encontrar alguém com quem repartir suas lágrimas.
E eles se reconhecem e trocam conselhos.
E ele chora.
Ele que nasceu pequeno mas de coração grande, ele que nasceu com a obrigação de sofrer pelos outros, ele que nasceu com a visão de maior alcance, ele que nasceu viado e rejeitado, ele que nasceu no lugar errado...
Ele que, mais que todos, deseja sair desta nuvem negra,
Da cidade das fábricas,
Da cidade dos canibais,
Da cidade dos neandertais,
Da cidade dos canos que ejaculam fumaça,
Da cidade das bocas que ejaculam fumaça,
Da cidade dos homens que veneram a Bomba...
Ele que só precisa fugir
Respirar ar puro pela primeira vez
Se movimentar pela primeira vez
Quebrar o Fluxo
Rejeitar a Inércia
Vomitar toda a Poeira e se tornar leve e se mover ao sabor do vento
Se desintegrar no vento
Como um dente-de-leão
Como inúmeras e infindáveis partículas
E conhecer
por fim
a Liberdade...
domingo, 26 de junho de 2011
Vórtex
São tempos estranhos.
Sem se preocupar em seguir uma ordem cronológica, passado, presente e futuro se confundem em uma nuvem inconstante de paradoxos:
Homens transformados em ciborgues, mulheres tranformadas em alegorias, bonecas de cera, de plástico, infláveis, máquinas de promoção, máquinas de sexo.
O declínio da virgindade, o surgimento dos hackers de cintos de castidade.
Banalização do eu, banalização do próximo, banalização de todos os conceitos racionais estabelecidos até hoje.
O fim abrupto das barbas que cobriam os peitos, o fim dos pêlos nos peitos, o fim da fumaça inebriante, o fim das cangas e das bijuterias.
O início de uma contra-cultura sem cultura, rebeldes sem causa que em nada evocam James Dean, o ódio e a revolta como uma justificativa e um fim em si mesmo.
Porra!
Se tem pelo que lutar, temos muito pelo que lutar, mas não há fogo. Não há paixão.
Não há tesão.
Há uma luxúria vaga.
Há rotina. Há costume. Há mediocridade. Há milhares de da Silva que acordam cinco horas da manhã todo o dia e engolem o seu ódio pelo capitalismo que os obriga a empregar todo o seu suor para ter um carro melhor que o do da Silva vizinho.
Há milhares de da Silva bombas-relógio, prontos para ter seu dia de fúria, para voltarem a sua rotina um dia depois como se nada tivesse acontecido.
Há milhares de da Silva que criam seus filhos para serem iguais a eles.
Camisa e suspensório
Gravate e gel
Olhos sem fogo
Sexo sem fogo. Sexo apolíneo. Sexo a dois. Sexo a três, a quatro, mas nunca com todos. Sexo como imposição, como costume, não como ritual dionisíaco.
Um cara que parece uma moça, uma ereção equivocada e despudorada, mais nudez do que entre os homens da Grécia, menos inocência e amor do que entre os homens da Grécia, menos democracia, menos pensamento, menos dialética, menos Grécia.
Homens que violam rituais dionisíacos, homens com mágoas demais, homens que ainda copulam com garrafas de cerveja, estuprando a si mesmo repetidamente pela noite metropolitana buscando consolo no vômito negro espalhado pelo ar da Cidade da Poeira.
Pulmões negros e fígados destroçados. Corpos que não respondem mais aos anseios humanos. Cérebros sem necessidades intelectuais.
O declínio dos valores, o declínio da família, o declínio do livro, o crepúsculo do cérebro...
Barulho. O crepúsculo da voz interior. O crepúsculo da auto-avaliação.
Homens que espancam travestis, que bêbados, levaram para cama.
A androgenização cada vez mais promovida e os sexos se confundindo
A promoção cada vez mais promovida
Testas e anúncios
Anúncios e anúncios
Línguas e anúncios
Anúncios
Propaganda é a alma do negócio.
Negócio. Mais carvão aí!
Fuligem em pulmões e crianças mortas.
Crianças que não sabem o que é comida. Crianças que não sabem o que é roupa. Crianças que não sabem o que é ter pais.
Crianças que não sabem o que é escola, crianças que não sabem o que é Shakespeare, crianças que usam calças coloridas e não sabem o que raios é "Kurt Cobain".
Calças coladas ao corpo, o declínio do rock, o declínio do dopping, o declínio do rock, o declínio do rock. Olhos sem fogo, bocas sem fogo, mãos abertas acariciando o Sistema, por que ele funciona. Mãos abertas tapando olhos sem fogo para só assim o Sistema funcionar.
E o povo abre as pernas
O favelado abre as pernas
O ladrão abre as pernas
O cego, o nordestino, o gaúcho, todos nós e todos eles.
E não, o Sistema não é dócil. Ele entra fundo e o grito de dor que vem, não é um grito, é um sussurro em consentimento. Consentimento de esposa submissa. Consentimento de escravo.
E quando sai da gente, sai levando muito mais que nossa dignidade. Leva nosso sangue. Leva nosso fogo.
Mas dá um doce, estão está bom.
E a mão que dá o doce tem uma gêmea que segura uma corrente, e assim o palhaço se transforma em carcereiro;
Ambas as mãos acabam em braços podres que acabam em um rosto sorridente;
O sorriso é de escárnio, o sorriso é de gozo. E seus dentes são separados, e seus cabelos tingidos de sangue.
Mulheres que encontraram seu espaço num mundo em que os abençoados são aqueles que nascem destinados a ter barba.
E ventres continuam tendo relações estreitas com fogões. Ventres e fogões, ventres e tanques, ventres e ventres e "sim senhores".
Ventres apertados por espartilhos, ventres, ventres...
Ventres que crescem de repente, cedo demais.
Uma vida que perde seu brilho para dar à luz uma outra. Um futuro brilhante, um leque imenso de possibilidades e novas sensações a serem provadas que desaparecem abruptamente;
Por que o senso fálico dominante rejeita o látex. E assim se explica.
Ventres e fábricas de robôs.
Robôs que são homens que não sentem gosto, não sentem prazer, não sentem porra nenhuma para estampar uma maldita capa de revista e servir de exemplo para que o Ciclo
nunca se quebre. E ele não vai se quebrar tão cedo, por que funciona. Por que Ciclos assim só se quebram com fogo, e o fogo já nos foi roubado há muito tempo.
Só nos resta odiar o Ciclo. Ódio esse que é engolido.
E o ódio que engolimos não some. O ódio que eu, você, o da Silva engole não é digerido, vira um câncer, e o câncer consome, debilita.
E quando as pessoas notarem que há algo errado com esse aperto no coração que todos sentimos de manhã na iminência de viver, é que as coisas vão mudar.
Os punhos vão se levantar, o amor vai ser feito na rua, o sangue vai ferver, e sim, ele vai ser derramado.
E o mundo vai ser purificado
E esse vórtex de podridão não vai mais existir
E esses tempos estranhos que se estendem desde os primórdios da história humana vão acabar
E o pessimismo não vai fazer sentido
Eu não vou fazer sentido
E à despeito disso,
Espero ansiosamente por esse dia.
Sem se preocupar em seguir uma ordem cronológica, passado, presente e futuro se confundem em uma nuvem inconstante de paradoxos:
Homens transformados em ciborgues, mulheres tranformadas em alegorias, bonecas de cera, de plástico, infláveis, máquinas de promoção, máquinas de sexo.
O declínio da virgindade, o surgimento dos hackers de cintos de castidade.
Banalização do eu, banalização do próximo, banalização de todos os conceitos racionais estabelecidos até hoje.
O fim abrupto das barbas que cobriam os peitos, o fim dos pêlos nos peitos, o fim da fumaça inebriante, o fim das cangas e das bijuterias.
O início de uma contra-cultura sem cultura, rebeldes sem causa que em nada evocam James Dean, o ódio e a revolta como uma justificativa e um fim em si mesmo.
Porra!
Se tem pelo que lutar, temos muito pelo que lutar, mas não há fogo. Não há paixão.
Não há tesão.
Há uma luxúria vaga.
Há rotina. Há costume. Há mediocridade. Há milhares de da Silva que acordam cinco horas da manhã todo o dia e engolem o seu ódio pelo capitalismo que os obriga a empregar todo o seu suor para ter um carro melhor que o do da Silva vizinho.
Há milhares de da Silva bombas-relógio, prontos para ter seu dia de fúria, para voltarem a sua rotina um dia depois como se nada tivesse acontecido.
Há milhares de da Silva que criam seus filhos para serem iguais a eles.
Camisa e suspensório
Gravate e gel
Olhos sem fogo
Sexo sem fogo. Sexo apolíneo. Sexo a dois. Sexo a três, a quatro, mas nunca com todos. Sexo como imposição, como costume, não como ritual dionisíaco.
Um cara que parece uma moça, uma ereção equivocada e despudorada, mais nudez do que entre os homens da Grécia, menos inocência e amor do que entre os homens da Grécia, menos democracia, menos pensamento, menos dialética, menos Grécia.
Homens que violam rituais dionisíacos, homens com mágoas demais, homens que ainda copulam com garrafas de cerveja, estuprando a si mesmo repetidamente pela noite metropolitana buscando consolo no vômito negro espalhado pelo ar da Cidade da Poeira.
Pulmões negros e fígados destroçados. Corpos que não respondem mais aos anseios humanos. Cérebros sem necessidades intelectuais.
O declínio dos valores, o declínio da família, o declínio do livro, o crepúsculo do cérebro...
Barulho. O crepúsculo da voz interior. O crepúsculo da auto-avaliação.
Homens que espancam travestis, que bêbados, levaram para cama.
A androgenização cada vez mais promovida e os sexos se confundindo
A promoção cada vez mais promovida
Testas e anúncios
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Propaganda é a alma do negócio.
Negócio. Mais carvão aí!
Fuligem em pulmões e crianças mortas.
Crianças que não sabem o que é comida. Crianças que não sabem o que é roupa. Crianças que não sabem o que é ter pais.
Crianças que não sabem o que é escola, crianças que não sabem o que é Shakespeare, crianças que usam calças coloridas e não sabem o que raios é "Kurt Cobain".
Calças coladas ao corpo, o declínio do rock, o declínio do dopping, o declínio do rock, o declínio do rock. Olhos sem fogo, bocas sem fogo, mãos abertas acariciando o Sistema, por que ele funciona. Mãos abertas tapando olhos sem fogo para só assim o Sistema funcionar.
E o povo abre as pernas
O favelado abre as pernas
O ladrão abre as pernas
O cego, o nordestino, o gaúcho, todos nós e todos eles.
E não, o Sistema não é dócil. Ele entra fundo e o grito de dor que vem, não é um grito, é um sussurro em consentimento. Consentimento de esposa submissa. Consentimento de escravo.
E quando sai da gente, sai levando muito mais que nossa dignidade. Leva nosso sangue. Leva nosso fogo.
Mas dá um doce, estão está bom.
E a mão que dá o doce tem uma gêmea que segura uma corrente, e assim o palhaço se transforma em carcereiro;
Ambas as mãos acabam em braços podres que acabam em um rosto sorridente;
O sorriso é de escárnio, o sorriso é de gozo. E seus dentes são separados, e seus cabelos tingidos de sangue.
Mulheres que encontraram seu espaço num mundo em que os abençoados são aqueles que nascem destinados a ter barba.
E ventres continuam tendo relações estreitas com fogões. Ventres e fogões, ventres e tanques, ventres e ventres e "sim senhores".
Ventres apertados por espartilhos, ventres, ventres...
Ventres que crescem de repente, cedo demais.
Uma vida que perde seu brilho para dar à luz uma outra. Um futuro brilhante, um leque imenso de possibilidades e novas sensações a serem provadas que desaparecem abruptamente;
Por que o senso fálico dominante rejeita o látex. E assim se explica.
Ventres e fábricas de robôs.
Robôs que são homens que não sentem gosto, não sentem prazer, não sentem porra nenhuma para estampar uma maldita capa de revista e servir de exemplo para que o Ciclo
nunca se quebre. E ele não vai se quebrar tão cedo, por que funciona. Por que Ciclos assim só se quebram com fogo, e o fogo já nos foi roubado há muito tempo.
Só nos resta odiar o Ciclo. Ódio esse que é engolido.
E o ódio que engolimos não some. O ódio que eu, você, o da Silva engole não é digerido, vira um câncer, e o câncer consome, debilita.
E quando as pessoas notarem que há algo errado com esse aperto no coração que todos sentimos de manhã na iminência de viver, é que as coisas vão mudar.
Os punhos vão se levantar, o amor vai ser feito na rua, o sangue vai ferver, e sim, ele vai ser derramado.
E o mundo vai ser purificado
E esse vórtex de podridão não vai mais existir
E esses tempos estranhos que se estendem desde os primórdios da história humana vão acabar
E o pessimismo não vai fazer sentido
Eu não vou fazer sentido
E à despeito disso,
Espero ansiosamente por esse dia.
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